Entrevista: Vânia O. a criadora, artesã e designer da Two Hands
É obcecada pela cor e por lãs e só trabalha com fibras naturais. Adora ensinar crianças e defende que os trabalhos manuais deviam ser levados a sério.
Vânia O. descreve-se como criativa, experimentalista e perseverante. Depois de 11 anos a viver na Alemanha, a portuguesa voltou e criou o Two Hands, um estúdio têxtil baseado em técnicas artesanais tradicionais. Aceita peças por encomenda, desenvolve projetos próprios e ainda arranja tempo para dar workshops de tecelagem, no mini estúdio em Colares e um pouco por todo o país, sobretudo em Lisboa. A conversa com o Pulpo desenvolve-se a partir da importância da educação criativa, mas passa também pela importância de Portugal na área dos têxteis.
És portuguesa mas estiveste muito tempo na Alemanha. Quais as maiores diferenças que vês a nível de “educação criativa” nas crianças?
Vivi onze anos na Alemanha, sou casada com um alemão e as minhas filhas nasceram lá. Especialmente com a mais velha tive um grande contacto com o sistema pedagógico nos infantários. Agora em Portugal percebo que as diferenças são gigantescas. Na Alemanha anda-se mais ao ritmo das crianças. Há de tudo, claro, mas no geral existe um grande cuidado com a educação criativa. Por exemplo, a minha filha, andou numa Escola da Floresta em que os miúdos andavam sempre ao ar livre e não havia brinquedos, sendo necessário criar brincadeiras com paus e pedrinhas e desenhar no chão com giz…tenho imensa pena que não hajam, ainda, escolas deste género cá. No que diz respeito á minha área, a dos têxteis, todas mas mesmo todas as crianças aprendem a tecer no pré escolar, algo que as acalma e lhes dá um ritmo e a sensação de criar algo com as mãos, é maravilhoso. Em Portugal , nos infantário, embora se faca muita coisa de trabalhos manuais são mais as educadores que fazem do que as crianças, estão mais preocupadas com o resultado final do que com o processo em si… mas jugo que será sempre diferente consoante a escola que se frequente, eu falo da minha experiência.
Fazes workshops só para crianças. Porquê?
Sim, mas não tanto como gostaria. Voluntario-me para dar aulas de tecelagem no infantário das minhas filhas. Acho essencial que as crianças comecem cedo a criar com as mão e sobretudo aprendam a ser independentes no que criam, sem grande interferências dos adultos. É importante que as crianças tenham contacto com os trabalhos manuais, SEMPRE! Trabalhar a criatividade é fundamental para um bom desenvolvimento psicológico e físico. É super importante sobretudo para a auto confiança, ver algo a crescer, feito e criado por eles.
Qual a idade ideal para uma criança poder participar (e aproveitar) um workshop contigo.
Depende do workshop mas quando dou aulas a crianças é sempre a partir dos 4 anos, altura em que a motricidade já começa e estar mais controlada…dessa idade para a frente, vale tudo.
Achas que a tecelagem ou outros trabalhos manuais podem ser uma boa ferramenta num currículo?
Embora não se dê grande valor (ainda) é uma ferramenta fundamental. Todas as profissões de uma forma ou outra baseiam-se na criatividade, na forma de criar soluções e gerir responsabilidades.
Portugal é um país importante a nível de têxteis?Portugal é um país super importante a nível dos têxteis, ficamos tão atrás que já estamos à frente…ouvi algures. Mas quando andei a pesquisar para criar os manuais para as minhas aulas, fi-lo com livros antigos estrangeiros e descobri que não há quase nada em português e que é pena, temos tanta coisa, que a palavra weaving em inglês não chega para especificar as tantas técnicas que por cá temos. E tudo é bom …é uma pena que os olhos estejam tão virados para o estrangeiro. Refiro-me sobretudo ao que é feito à mão, não ao industrial, que de uma forma ou outra vai sendo divulgado.
Quais as referências portuguesas que todos deveríamos conhecer?
São tantas… Os têxteis são uma área tão vasta. Tecer, tricotar, feltrar, tingir… No que diz respeito ao lado mais tradicional existem as tapeçarias de Portalegre, tapeçarias feitas em tear de alto liço, tecidas com grande sensibilidade. Nos teares de baixo liço há muita coisa: as mantas de Mértola (feitas na Cooperativa Oficina de Tecelagem ), as de Monsaraz, ou de Minde. Há um número enormes de mestras tecedeira, realço aquelas com que aprendi e que foram fabulosas, como a Guida Fonseca ou a Gisela Santi. No lado da pesquisa e criação de fios e divulgação dos saberes antigos, não posso esquecer a Rosa Pomar, que tem tido um trabalho pioneiro e maravilhoso no que diz respeito a promover as raças autóctones portuguesas e todos os processos tradicionais do nosso riquíssimo país. Rita Albuquerque na feltragem, a domadora de lã. Fátima Gavinho uma mágica da tinturaria natural. Na área da tapeçaria contemporânea tecida há um número de artistas a emergir, a minha favorita é a Vanessa Barragão, que trabalha, como eu, em tear de moldura mas sobretudo na técnica de Esmirna. Há muito mais gente boa mas estas são as minhas referências principais nacionais.
Achas que era possível existir uma rota dos têxteis em Portugal? Quais os sítios que não poderíamos perder?Poderia e devia…mas teríamos que definir primeiro, de que têxteis falamos. Acho que seria possível fazer muitas rotas diferentes: uma sobre as raças autóctones, outra sobre tosquia, fiação, feltragem, tinturaria natural tecelagem, tapeçaria , tricô….
E no mundo? Quais as tuas referências e onde querias muito ir?
Adoraria ir à América do Sul e à Ásia, Norte de África…a tecelagem é um saber tão antigo e penso ser interessante conhecer os paralelismos entre as técnicas nos diferentes países, porque os há…E também adoraria ter contacto com os artesãos e as suas morosas e detalhadas técnicas. Aprender com quem sempre soube e sempre fez da mesma maneira. Quanto aos criadores mais modernos há vários mas como a minha técnica e interesses mudam também mudam as minhas referência.
Quem te inspira mais?
Não me inspiro por pessoas em particular mas em tudo no geral. As ideias têm muito a ver com o feeling do momento, as cores, a energia entre as pessoas com quem trabalho e que ensino. Mas se escolhesse a minha inspiração principal diria que é a cor e a vontade de experimentar coisas novas.
Dois livros, sites ou apps que recomendes.
Não sou muito tecnológica. Tenho um vício de livros antigos, sou louca pela arte têxtil contemporânea que teve os seu apogeu nos anos 70/80 . Posso indicar livros sobre essa altura: Beyind Craft: the art fabric e O Grande Livro dos Lavores da Seleção do Reader’s Digest, uma verdadeira bíblia.
Quais os teus materiais favoritos? E cores?
Só trabalho com fibras naturais, gosto de todas. Mas confesso que tenho uma obsessão pela lã, toque cheiro, tudo. Quanto a cores, todas, sou uma obcecada das cores. Às vezes tento os neutros, mas mais no macramé…é um detox…mas volto sempre às cores, adoro a cor.
Como começas uma peça? Trabalhas por encomenda?
Pela cor, sempre pela cor. Quando é uma peca livre, feita por mim, sem cliente ou parceria, é mesmo pela cor. Não planeio muito o que faço, deixo-me ir, as mãos é que mandam, desligo a cabeça. E aceito encomendas. Ultimamente tenho trabalho muito assim, gosto muito, uma espécie de criatividade direcionada: os cliente falam deles e das ideias que têm e cores que gostam e eu crio algo exclusivo para eles, é sempre especial.
Se pudesses oferecer uma peça tua a qualquer pessoa no mundo (viva ou morta) quem seria?
Se pudesse oferecia as minhas pecas a todas as pessoas que as quisessem ter…se o meu trabalho toca a alguém ao ponto de quererem ter um em casa, se pudesse, oferecia…mas não posso.