Saber cozinhar não vem pré-instalado nas vaginas, quem o diz é Chimamanda Ngozi Adiche
O novo livro de Chimamanda Ngozi Adiche, "Querida Ijeawele - Como Educar para o Feminismo", oferece 15 sugestões com o poder de mudar a vida de muitas raparigas. E, provavelmente, até a nossa.
Depois de ler Querida Ijeawele – Como Educar para o Femininismo (Dom Quixote), o último livro de Chimamanda Ngozi Adichie, cheguei a casa e dei-me ao luxo de ficar a olhar para os meus filhos: uma rapariga e um rapaz. Perguntei a mim própria se os condiciono de alguma maneira. Se educo o Gastão de uma forma diferente da da Olívia. Se lhe permito ser mais como ele quer, mandando-o portar bem menos vezes. Se não dou acesso à Olívia a brinquedos mais ativos, como carros telecomandados ou atividades mais desportivas. Mas depois lembrei-me que educamos sem ter em conta o papel de género, mas sim os seus interesses. Ser rapariga ou rapaz não deveria ser uma condicionante.
São 15 sugestões e eu não vou contar tudo
Como o livro Todos Devemos ser Femininistas (que nasceu de uma adaptação de uma famosa TED Talk de Chimamanda em 2012), Querida Ijeawele – Como Educar para o Femininismo é um livro pequeno e não deveria meter medo a ninguém. Lá dentro, em poucas páginas, cabem 15 sugestões que podem mudar a vida de muitas raparigas. É uma leitura essencial para qualquer pessoa que esteja envolvida na educação seja de raparigas ou de rapazes, seja mãe, tia, irmã ou uma amiga interessada. Partilhem também com as vossas filhas. Através da educação que lhes damos, mas também dando-lhes o livro a ler, quando acharem que é a altura certa. Sexo, dinheiro, beleza, brinquedos, roupa, parentalidade ou casamento são apenas alguns dos tópicos abordados. O objetivo? Permitir que as mulheres cresçam com um maior sentido de independência e de identidade. Mas, aconselho também a partilhar o livro com os homens. Pais, tios, avós, amigos. É que, na realidade, Querida Ijeawele – Como Educar para o Femininismo é um manifesto sobre femininismo que não é apenas para mulheres. Porque o femininismo não pressupõe a exclusão dos homens. Apenas a igualdade de direito para todos.
O meu marido é femininista e não sabe
A primeira vez que tive contacto com Chimamanda Ngozi Adiche foi através do livro Todos Devemos Ser Femininistas. Como não há coincidências na vida, na altura era diretora de uma publicação feminina, por isso ainda mais sentido fez. Depois disso, numa feira do livro não resisti a comprar Americanah. Tornou-se, sem dúvida, uma escritora preferida cá em casa. Não só pelo tema do femininismo transversal aos seus livros, mas pela sua capacidade de me lembrar que existem outras realidades para as mulheres, bem menos confortáveis que a nossa em Portugal.
Mais do que isso, tornou-se um tema de debate cá em casa. Através do Querida Ijeawele, apercebi-me aquilo de que já suspeitava: o meu marido é femininista e ainda não sabe. Cá em casa usamos o “nós” e não só o eu. Porque somos os dois, eu e o meu marido que acreditamos que devemos estar todos em pé de igualdade. Como diz a autora, “saber cozinhar não vem pré-instalado nas vaginas. Cozinhar é algo que se aprende. Cozinhar – as tarefas domésticas em geral – é uma competência da vida que tanto os homens como as mulheres deveriam ter”. Por isso, atrevo-me a dizer que o meu marido faz o melhor arroz do mundo (a minha irmã comprova), mas a melhor sopa de feijão é minha. A Olívia é especialista em madalenas sem glúten e o Gastão simplesmente não adora cozinhar. Mas gosta de fazer massa. No entanto, uma coisa é certa: a determinada altura ambos saberão cozinhar o mínimo, para não terem de depender de ninguém. Nem um, nem o outro.
Uma das frases que mais gosto do livro é que “um pai é tanto um verbo como uma mãe”. É o meu marido o mais consciente e que se preocupa muitas vezes em levar as crianças, em pé de igualdade, a experimentar tudo. Depois logo decidem do que gostam ou não. Talvez por isso gostem ambos de escalada, não tenham medo de saltar para dentro de água em mar alto, adorem andar de bicicleta e sejam exímios a interpretar as instruções do Lego. Mas, mais do que isso, talvez seja por isso que não tenham medo de dizer do que gostam ou não. Deduzo que daqui a uns anos, os gostos serão cada vez mais nítidos. Mas talvez o Gastão venha a gostar um pouco de ponto cruzo ou costura (que eu adoro) e a Olívia se envolva em CrossFit ou corrida (que também adoro). Uma coisa é certa, vou continuar a fazer o que a autora alerta: “Ensina a tua filha que a ideia de ‘papéis para cada género’ é uma tolice. Nunca lhe digas o que ela deve ou não deve fazer só por ser menina. «Porque és menina» nunca é razão para nada. Jamais.”
Nota: O crédito da fotografia de Chimamanda Ngozi Adiche é de Wani Olatunde.