Uma casa com crianças é um organismo vivo

Uma casa com crianças é um desafio. Um teste às nossas capacidades de arrumação, mas também à nossa perceção do que é, afinal, uma casa habitável. Como vivemos melhor? Com ou sem confusão?

Durante anos, desde que me lembro, que sempre me preocupei em ter a casa arrumada. As almofadas tinham de estar cheias. Os sofás impecáveis. Nada de ir para a cama com a cozinha por arrumar ou a roupa por dobrar. Ter crianças mudou muita desta mentalidade. A transição de uma casa “impecável” para uma casa “habitada” foi interessante. Aos poucos, tive de ceder espaço na estante da sala. Arranjar recipientes para os legos – tentando evitar feridas graves devido a minúsculas peças espalhadas pelo chão (e corações partidos pelo desaparecimento de peças vitais para a construção de estrutura imaginárias, capazes de nos levar todos para Marte) -, não me preocupar com livros espalhados pela casa (ou por páginas arrancadas, por vezes mastigadas e recortadas) e, acima de tudo, acreditar que a perfeição não tem piada nenhuma (ou que pelo menos não é tão interessante, pois fecha-nos a porta à possibilidade de falhar e voltar a tentar).

Uma casa com crianças é como um organismo vivo. As peças movimentam-se a velocidades incríveis, tão incríveis que não sabemos o que lhes acontece de um dia para o outro (e aqui está a explicação porque nunca sabemos de nada…). No entanto, a responsabilidade de sabermos é nossa! É como no livro de Afonso Cruz (Nem Todas as Baleia Voam), quando a criança se apercebe que o pai adormeceu antes dele. Se o pai está a dormir, então quem está a velar por ele? Não saber de uma peça de lego, de uma determinada roupa ou esquecermo-nos onde colocámos o elástico do cabelo da cor y, remete-nos para o limiar da estupidez. Aos olhos das nossas crianças, passamos de bestial a bestas em 10 segundos. O ideal, na minha humilde opinião, chama-se responsabilização e muitos cestos. De preferência, um cesto para cada um e esta estrutura da Ikea que adoramos. O beliche também foi das melhores compras que fizemos e aqui vivem não só os nossos filhos, como também tigres, um gato gigante e um monstro, entre outros.

Mas não me interpretem mal. Se há alguém que adora uma casa composta, com os materiais e texturas certas, sou eu. No entanto, com o passar dos anos damos por nós a pensar no que é isso do “certo”? O que torna uma casa algo que amamos? Algo para onde nos apetece sempre voltar mesmo que estejamos do outro lado do mundo? A resposta a esta questão prende-se com dois fatores: as pessoas. As pessoas fazem-nos voltar. E o facto de na casa onde vivemos, estarem espelhadas essas pessoas. As memórias por onde passamos, com quem partilhamos. Ideias que se colam às paredes, um tapete que veio de Marrocos, uma peça de Singapura. Uma caixa de cartão feita com muito esforço e que se tornou a casa imaginária de imensas fadas que vivem no nosso terraço passa a ter tanta importância como o sofá que desenhamos e mandamos construir. Ou todos os livros que me recortam a minha adolescência e porque gosto tanto de ler.

Uma casa só é mais do que tijolo ou cimento, se for gozada. Aproveitada. Decorada com sentimento e coração.

Nota: Recomendo a leitura do estudo da Ikea The Play Report e O Que Faz de Uma Casa, Uma Casa.